quinta-feira, 25 de agosto de 2011

sábado, 6 de agosto de 2011

“Ah! Se fosse possível esquecer!”




A frase que escolhi para o título deste artigo poderia ser um exemplo das queixas que rotineiramente são escutadas na clínica psicanalítica. Mas, não é esta sua origem: foi retirada de um relato disponível na internet, escrito por alguém que deseja esquecer recordações dolorosas. Segundo quem a escreveu, para esquecer deve-se aceitar os fatos, perdoar, até ser possível lembrar-se com menor frequência e sem emoções, algo que só o tempo e um tipo de “entendimento desapaixonado” poderiam proporcionar. Supondo que a partir disto seria possível olhar para a lembrança como se olha para uma imagem externa e indiferente, sem emoção.

Este desejo de esquecimento não é incomum, pelo contrário, ele passa pelo imaginário de todos aqueles que um dia já vivenciaram algo doloroso. É um desejo natural: se algo nos faz sofrer, que seja então “engavetado” em um canto inacessível de nosso mundo psíquico, esquecido. Que lá fique e não mais incomode!

Basta, porém, um pouco de reflexão para que a seguinte pergunta nos ocorra: É possível que este conteúdo esquecido deixe de existir e produzir efeitos sobre o indivíduo? Antes de respondê-la, precisamos pensar um pouco mais sobre o esquecimento, o que acontece com os conteúdos de nossa mente que ameaçam causar sofrimento.

Embora seja comum pensar no esquecimento como algo de caráter passivo, que acontece com o passar do tempo e sem grande participação do indivíduo, a etiologia da palavra esquecer demonstra que é exatamente o contrário, tornando clara sua conotação de atividade. Proveniente de ex-cadere (cair para fora), esquecer está sempre relacionado a ex-pulsar, ex-ilar ou ex-teriorizar um conteúdo. Denotando uma atividade psíquica, que como outra qualquer, requer esforço e investimento por parte do sujeito.

Este esforço para exercer esta atividade se dá devido ao desprazer – sofrimento – gerado por algum conteúdo psíquico que precisa ser retirado do alcance da consciência, exilado em uma porção do aparelho psíquico que Freud denominou inconsciente. Isto não acontece apenas com recordações; pensamentos, imagens e desejos ameaçadores são também repelidos e isolados da consciência, em uma tentativa de evitar que produzam grande desprazer. Para isto nosso aparelho psíquico faz uso de um processo chamado recalcamento – ou repressão – que garante que alguns conteúdos carregados de afeto mantenham-se inconscientes. Inconscientes sim, porém, permaneceriam indiferentes?

Segundo a Psicanálise, não. As lembranças recalcadas, "esquecidas", não estão simplesmente ausentes; do seu lugar de não-dito exercem seu poder, gerando também sofrimento ao indivíduo. Vale lembrar também que o total recalcamento de uma memória só é provável em situações realmente traumáticas, exigindo grande trabalho mental para que seja mantida inconsciente. Em geral, as lembranças dolorosas permanecem em um estado latente, mantendo inconscientes os fragmentos mais carregados de afeto; como, por exemplo, a carga sentimental vivenciada no momento ou uma parte específico do que foi dito.

Portanto, a ação sugerida pelo autor da frase de nosso título, de tornar um conteúdo psíquico “neutro” para que seja rememorado sem emoções, seria uma tentativa de trabalho para que a carga afetiva vinculada a uma recordação possa ser “escondida” em outro lugar, distante da consciência. Porém, é exatamente este ilegítimo afastamento que proporciona que tal conteúdo permaneça imutável no inconsciente, longe do conhecimento e da atuação consciente do sujeito, agindo sobre este de forma indireta, possibilitando que os mais variados sintomas – aparentemente sem relação nenhuma ao conteúdo original – se manifestem.

Ao contrário disto, o trabalho realizado em um processo de análise compreende exatamente possibilitar que estes conteúdos sejam assimilados pelo sujeito, admitidos em sua história, permitindo que o paciente aproprie-se daquilo que fazia parte de si, mas que o recalque defensivamente mantinha à distância, em uma tentativa limitada para evitar o sofrimento. Este trabalho só é possível através da paulatina desconstrução destes movimentos defensivos de recusa e repressão. Não atuando para modificar o conteúdo que estava reprimido, mas sim o sujeito, que passa a ser agente ativo em sua história. Esquecendo, mas não no sentido de extrair para tornar uma imagem sem sentimentos, e sim de tomar posse daquilo que sempre foi seu com toda a carga de sentimentos que merece, mas para a qual o indivíduo agora está pronto, silenciando seus fantasmas.


Para saber mais:

Freud, S. Recordar, Repetir e Elaborar (1914).

Freud, S. O Recalque (1915).

Mezan, R. A Sombra de Don Juan (1993).